segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A GALINHA, O OVO E A NOVA ERA de Lisélia de Abreu Marques

Havia um ovo. Ele se sabia ovo desde sempre. Ele tinha sua forma e aparência e assim que era. Havia outros ovos como ele e ser ovo era estar vivo. Este ovo um dia percebeu que algo estava acontecendo, alguma coisa estava mudando, uma energia diferente, um calorzinho novo. Ele pensou logo no aquecimento global. O ovo foi sentindo este calorzinho e foi se sentindo diferente, desconfortável, as coisas estavam saindo do controle. Ele estava com pensamentos estranhos, irritado e não conseguia dormir direito. O ovo começou a sentir medo. Sentia que algo estava acontecendo e que a vida não seria mais como antes. Então o medo fez com que ele começasse a resistir às mudanças. O futuro era incerto, o tempo passava cada dia mais rápido e ele ouvia os outros ovos comentando de que o fim do mundo estava próximo. Ele ouviu falar em nova era e mudanças globais de larga escala. Ele ouviu falar em morte. Os ovos comentavam que o aquecimento global iria provocar o fim da civilização dos ovos, que uma nova era iria surgir e eles, os ovos, não iriam sobreviver. Ele realmente estava muito assustado. O ovo decidiu então resistir às mudanças, ele era um ovo e iria lutar até o fim para que a vida como ele conhecia não se acabasse. E quanto mais o ovo resistia às mudanças, mais ele sofria, era um esforço tremendo para controlar as coisas. A vida estava mudando, já não era mais a mesma, e por mais que se esforçasse parecia que tinha perdido o controle.
O esforço para manter tudo como antes, era desgastante e inútil, ele se sentia um perdedor, estava fraco e deprimido. Chegou ao fundo do poço, não tinha mais forças, nem esperança e pediu ajuda. Rezou à Grande Galinha, a Deusa de todos os ovos. Pediu proteção, ajuda, disse que estava se sentindo fraco e sozinho. Chorou, chorou muito. O ovo, já sem forças para lutar ia se entregando à depressão. Então, numa noite teve um sonho, sonhou que a grande galinha falava com ele. Ela dizia: Meu filho amado, você é perfeito e a ti estão prometidos todos os tesouros. Não lute contra a vida e contra as transformações. A vida é movimento. Se permita ser levado pelo rio da vida e fluir com ele. A morte não existe, é apenas uma transição para uma vida maior. A vida que você leva hoje é passageira, não é a sua verdadeira vida. Você não é um ovo e pronto. Sua verdadeira essência é ser uma galinha como eu. Você é meu filho, feito minha imagem e semelhança. Se deixe ser aquilo que você nasceu pra ser. O ovo acordou do seu sonho emocionado, uma nova esperança tocava seu coração. Ele sentiu coragem para se entregar às mudanças. Sentia o calorzinho da energia da evolução tocar em sua casquinha e lembrava de seu sonho e repetia : “ Se deixe ser aquilo que você nasceu pra ser.” E assim foi, o ovo relaxou e a vida ficou mais leve, ele se pegava cantarolando: ... “deixa a vida me levar, vida leva eu” do Zeca Pagodinho e se sentia mais descontraído e mais bonito. O desgaste que ele tinha, tentando controlar tudo, havia diminuído e ele tinha mais energia pra curtir a vida. Ele percebeu que quando parou de gastar energia lutando contra a morte sobrou mais energia pra viver a vida.
O tempo foi passando e um dia, algo horrível começou a acontecer. Os ovos, seus amigos, que toda a vida compartilharam o mesmo ninho que ele começaram a se quebrar. Era horrível, uma desolação - ovos partidos, casquinhas pra todo lado, um vazio, não havia nada dentro deles, ele se sentiu apavorado, os ovos que ainda estavam inteiros começaram a se lamentar e se voltar contra a grande galinha, dizendo que ela os tinha abandonado e que ela, na verdade, nem existia, porque se existisse não permitiria tanta destruição. O ovo estava desolado, ele lembrava do sonho e duvidava de si mesmo. Pensava: - como pode ser? E as promessas que sempre ouvimos de salvação? Eles sempre foram ovos bonzinhos, bons amigos, corretos, não é justo que isto aconteça com eles. A destruição, a morte , o desespero e o caos era só o que se via e sentia. O ovo estava confuso, apesar de toda aquela desgraça ele ao mesmo tempo se sentia leve, parecia que a vida estava melhor, mesmo estando pior, ele não entendia. Havia um equilíbrio dentro dele, mesmo com os ovos “morrendo” ao seu lado ele sentia uma paz profunda como jamais havia sentido antes, era quase um estado de graça e então, ele ouviu um estalo e outro, e passivo apenas observava e aceitava as coisas como estavam sendo naquele momento. Ele estava presente no aqui e no agora intensamente; e de repente uma luz muito grande surgiu e irritou seus olhos, ele respirou uma brisa fresca e quando ele conseguiu abrir os olhos um mundo de cores e formas jamais percebidas, apareceram ao seu redor. Era um mundo enorme, sem fim, rico, com milhões de formas de vida, antes inimagináveis. E ela estava lá, a grande galinha e olhava pra ele. Então ele perguntou: - eu morri? Estou no céu? E a galinha carinhosa respondeu: - Não meu filho você nasceu, você se tornou aquilo que você foi criado para ser. Olhe pra si mesmo e veja.
Então ele se olhou e viu que era um pintinho e se parecia muito com a grande galinha.E ele perguntou: e os meus amigos, o que aconteceu com eles? Então ela se afastou e ele pode ver atrás dela todos os seus amigos ovos, que haviam tido suas casquinhas quebradas, também pintinhos como ele. E foi uma alegria tão grande, tão grande... Foi emocionante! Tudo fez sentido, ele entendeu então porque as coisas tinham acontecido daquela maneira, porque os ovos precisavam morrer para os pintinhos nascerem e serem livres pra  crescerem e se tornarem aquilo que eles foram criados pra ser.
Ele entendeu que o que parecia destruição e caos era transformação. A galinha e os demais pintinhos saíram passeando com ele pelo jardim e mostraram as sementes morrendo para o nascimento do broto, mostraram o sol irradiando energia transformadora para que isto acontecesse, mostraram outros pintinhos mais velhos perdendo sua plumagem para que as penas permanentes surgissem e ele foi entendendo tudo, entendendo como morte e vida são a mesma coisa, como tudo segue o fluxo de transformação. Então ele parou e pensou e perguntou pra galinha: - Mãe, por que quando eu era ovo não via nada disso? Então cheia de amor a galinha respondeu: Quando você era ovo, você tinha uma casquinha em volta que limitava sua percepção da realidade mais ampla, você vivia enclausurado naquela casquinha que impedia que você percebesse a luz do dia brilhando com toda a sua intensidade, a casquinha, o seu corpo físico durante aquele estágio de desenvolvimento limitava a sua percepção. O pouco que você ouvia daqui, chegava lá destorcido e abafado. Quando eu falava com você, você achava que era sonho. Quando seus irmãos que haviam rompido a casquinha se aproximavam de você, você não os via e quando sentia a presença deles, achava que eram fantasmas. Este período de ovo é uma fase muito difícil, porque as limitações impostas pelas condições de ovo dificultam o contato com o mundo aqui. E o medo do desconhecido, o apego a vida de ovo, a resistência à mudança, às vezes até afasta um ovo dos demais e, isolado, mais longe, mais frio fica e mais solidão sente o ovo. É um momento passageiro, de transição, mas quando o ovo se apega muito a este estágio da vida, fica mais difícil pra ele se permitir transformar pelo calor da evolução. Veja, meu filho, o seu ninho, ainda têm ovos lá que estão amadurecendo e nós aqui estamos torcendo pra que eles se entreguem ao calor da evolução e logo possam estar pintinhos como vocês.  Então o pintinho olhou pros seus irmãos ainda ovos com muito amor e olhou pra si e pro seus irmãos pintinhos e pensou: - então é verdade, “nós somos aqueles por quem esperávamos” e todos juntos se aproximaram da galinha e com o calor dos corpos deles, todos unidos, assistiram os últimos ovos eclodirem.

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