terça-feira, 30 de março de 2010

QUEM SOU EU? de Lisélia de Abreu Marques

Somos gerados no ventre da nossa mãe como se fossemos parte do corpo dela, após o nascimento, temos o cordão umbilical rompido e com o tempo percebemos que existem dois seres, mamãe e eu. Aí identificamos mamãe e dizemos “aquela é mamãe e este sou eu, e logo depois vem a pergunta básica, e “quem sou eu?”

A pergunta básica: “quem sou eu” move a personalidade a buscar por resposta que satisfaça à pergunta.
Usando da “agregação”, a nossa personalidade passa a buscar esta resposta no meio exterior. E através da identificação vai agregando características externas e criando a imagem de quem pensamos ser.

Agrego a nacionalidade e digo que sou brasileiro(a), me identifico com o sexo de nascimento e sou homem ou mulher, me identifico com a região em que nasci e passo a ser carioca, gaúcho(a), baiano(a), etc. Minha raça define se sou branco(a), negro(a), índio(a) ou oriental. A religião que herdei ou adotei passa a me definir também. O nome que me foi dado é a minha bandeira.

Catamos os valores que existiam antes do nosso nascimento e tomamos como sendo nossos valores. Agregamos pensamentos pré-existentes e estes pensamentos nos conectaram a emoções que não eram nossas, mas nós a sentimos e passamos a agregá-las e achar que estes sentimentos somos nós. E passamos a amar um time e a desprezar um inimigo que já existiam antes de nós.

Tudo vem de fora e é costurado, digamos assim, como numa colcha de retalhos. E esta colcha de retalhos chamamos de EU.

Este Eu exterior, este eu pegado emprestado do meio, é o que chamo de personalidade.

A personalidade é aquilo que é perguntado na hora que vamos preencher um cadastro: nome, endereço, idade, sexo, estado civil, nacionalidade, naturalidade, raça, cor dos olhos, cor do cabelo, escolaridade, etc.

Geralmente quando ouvimos a pergunta “Quem é você?” respondemos usando nosso cadastro: meu nome é tal, sou homem/mulher, tenho tantos anos, sou formado em tal curso, sou casado/solteiro, torço pelo time tal e assim vai.

A pergunta “quem sou eu?” continua sem resposta, mas nosso cadastro serve como uma resposta fácil e imediata e nos acostumamos a identificar a nós mesmos por ele e nos acomodamos com esta resposta. Ao tentarmos nos definir sem usá-lo ficamos mudos. Tente pra ver. “Quem é você? Responda sem usar o cadastro – “Eu sou...” Vou dar uns minutinhos para você se autodefinir... e aí, como foi? Quer tentar mais um pouquinho? Não é fácil não é?

A personalidade tenta responder esta pergunta dia após dia da sua vida. E vai agregando conceitos externos um após o outro, e assim que consegue uma nova identificação, comemora até perceber que esta nova identificação com um conceito ou valor externo não satisfaz à pergunta, e insatisfeita, a personalidade parte em busca de outra identificação. Nem é preciso dizer que ela está constantemente insatisfeita. Percebemos isto observando nossos desejos.

Desejamos ser ricos, desejamos ter um carrão, desejamos status, desejamos poder, desejamos um cônjuge, desejamos filhos, desejamos uma profissão, desejamos aumentar nosso cadastro, na ilusão de responder à pergunta “quem sou eu?” através dele. Mas o nosso cadastro não somos nós. O cadastro pode responder ao verbo estar, mas não ao verbo ser. Estou casado, estou estudando, estou morando... , mas o verbo “estar” não é permanente. O verbo “estar” é um viajante de passagem. Buscamos por algo permanente, algo que não acabe, algo infinito, algo que é.

O nosso corpo é, sem dúvida passageiro e apesar disto é uma das identificações mais fortes que temos. Quando nascemos recebemos um corpo de presente, é o nosso passaporte pra este mundo. É o nosso “AVATAR”. Eu comparo o corpo a um carro. Este corpo, recebemos de presente, todos nós. Cada um recebe um. Novinho em folha. 0 Km. Vem com as características da montadora, com cor, modelo e tamanho já pré-definidos no DNA. Alguns vem com itens de serie a mais, outros a menos. O tipo de veiculo vai influenciar o piloto. Tem carros de corrida, tem caminhões, tem carros para transporte, tem carros de luxo, utilitários, todo tipo de carro pra todo tipo de piloto e missão. E como não podia deixar de ser, nós, os motorista/almas recebemos este carro/corpo e logo em seguida agregamos ao que pensamos ser nós mesmos e pensamos: “Meu corpo sou eu”.

A personalidade é apegada a toda a sua imensa coleção. Olha para o cadastro e para todas as idéias e emoções que colecionou e diz a si mesma: “isto sou eu”. Qualquer coisa que a personalidade entender como perda na sua coleção vai soar como uma amputação, como risco de morte.

Mas a vida é feita de muitas “perdas”. Perdas de coisas que tomamos como nossas e como nós mesmos. “Perdemos” um emprego, “perdemos” um endereço, “perdemos” dinheiro, “perdemos” status, perdemos “um cargo”, “perdemos” saúde, juventude e sofremos como se parte de nós mesmos tivesse sido arrancada.

Por ignorar quem realmente somos nos apegamos a um monte de coisas externas que absolutamente não somos nós e acreditamos ser estas coisas. Esta é uma das grandes ilusões dessa vida. Na verdade ninguém é quem ou o que pensa que é.

A essência humana não é uma coleção de identificações com coisas inanimadas provenientes do mundo fora de nós, não é sequer o nosso corpo, que recebemos ao nascer aqui. A essência humana, a verdadeira resposta para a pergunta “quem sou eu?” não pode ser respondida por identificação ou por agregação de idéias vindas do meio exterior.

A resposta a esta pergunta está no mundo interior e não no mundo exterior. A resposta é pessoal e intransferível porque somos únicos e não é o mundo lá fora quem vai nos dizer quem somos. Paremos de procurar a resposta onde ela não está e a insatisfação, a frustração vão sumir. Comecemos a usar os verbos corretamente: “Eu estou médico”, “eu estou policial”, “eu estou doente”, “eu estou bandido”, “eu estou casado”, “eu estou ignorante”, etc.

Numa vida que é passageira, nada é para sempre, nada é absoluto. As pessoas lutam arduamente para transformar em eterno o que é transitório, numa luta sem chance de vitória. Há pessoas que fazem plásticas atrás de plásticas em busca de uma juventude eterna, de uma beleza eterna, de uma magreza eterna. A vida é como água, ela flui, ela passa. Não dá para segurá-la entre os dedos; se a represar ela evapora e se a confinar ela estagna e apodrece.

E nesta vida passageira, todos se perguntam “quem sou eu?” E imagino que Mário Quintana estava entretido, a indagar-se destas questões fundamentais quando disse que “A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.” Seguindo esta linha de raciocínio, quem seria, então, esse “eu” que pergunta “quem sou eu?” e de quantos eus é feito um ser humano? Tantos quantos forem as camadas de consciência, de fora para dentro, até o EU central, seria a resposta. Imagino que se quem perguntasse fosse o eu-personalidade, - o eu externo - o cadastro satisfaria como resposta, mas não satisfaz, logo a pergunta deve estar sendo feita de um outro lugar, de um “eu” mais profundo, eu suponho. Imagino que quem pergunta é um “eu” que não passa e que pergunta incessantemente “quem sou eu?” para lembrar à personalidade que somos mais do que uma colcha de retalhos do mundo.

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