sexta-feira, 26 de outubro de 2012

UNIFICAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO (ADÃO E EVA 2) de Anderson Gomes de Oliveira

O mito da criação de Adão e Eva e sua relação com a cosmogonia da criação do próprio universo tem oculto em si, ao mesmo tempo, um sentido geral (criação e expansão do universo físico) e um sentido particular (criação e desenvolvimento do homem).
O que é uma pessoa?
Uma pessoa é uma parte do Grande Universo que, no processo de expansão e evolução do mesmo, começa a tomar consciência de si mesma.
Partindo dessa premissa, o mito do pecado original, num sentido cosmogônico, pode ser entendido como uma tentativa de explicação para esse processo.
Vejamos:
O processo de tornar-se consciente implica em desenvolver a razão e, por consequência, no nascimento e crescimento do ego.
O grande universo e tudo que contem, num nível mais profundo é completamente indiferenciado: matéria é energia (e vice-versa), ondas são partículas (e vice-versa), a presença de matéria e/ou energia curva e molda o espaço e o tempo. O espaço, por vazio que possa parecer, é, em cada ponto, fervilhante de atividade de criação e destruição contínuas de matéria e energia.
O universo é, de certo modo, similar a um grande oceano e as ondas são a matéria, a energia, o espaço, o tempo e, principalmente, os eventos e as interações.
Não há diferenciação entre o universo e as ondas, do mesmo modo que não há diferenciação entre as ondas e o oceano, pois, afinal, tudo é água.
É curioso, mas não inesperado, que o Gênesis comece com uma referência ao grande oceano indiferenciado:
“(...) e o Espírito de Deus pairava sobre as águas (...)”.
Mas, quando surge o homem, aquele pedaço do universo que corresponde à matéria que forma seu corpo e espírito, passa, progressivamente, a ter consciência de si mesmo.
Aquele pedacinho do espaço-tempo, semeado ou fecundado por uma partícula ou centelha divina (ou alternativamente, preenchido pelo “sopro de Deus”) germina para tornar-se um ser dotado de consciência.
Nesse sentido, o homem é barro, matéria-energia ou espaço-tempo moldado/forjado por Deus e animado/ativado pelo “Sopro de Deus”, essa Semente/Centelha Divina que cada um carrega dentro de si.
Com a consciência, vem a razão e, com ela, o sentimento de ser diferenciado do resto. A sensação de ser separado cresce à medida que a consciência de si aumenta. Com a razão vêm a divisão e o julgamento.
Isso é a individuação, é tornar-se um indivíduo.
Ora, o ego, que cresce dentro do homem, é a serpente ou, como a imagem também pode ser interpretada, é um parasita ou verme que cresce e tem o formato de serpente.
É a serpente que vai se interessar pela árvore do conhecimento do bem e do mal. Pois o ego identifica conhecimento com poder. A tentação de comer seu fruto e, daí em diante, conhecer e poder dominar/controlar/colocar ordem no mundo nos seus próprios termos, é o desejo do ego.
A serpente não está fora do homem e da mulher. É parte deles e é, ao mesmo tempo, “o outro”, “o inimigo”.
Um desejo que não se satisfaz ao provar o fruto, pois é como tomar água ligeiramente salgada: a sede aumenta. Ao conhecer (apropriar-se da razão), o indivíduo passa a querer ter e possuir, a querer competir com seus iguais (que não considera mais iguais, pois diferenciou-se e agora considera-se um indivíduo separado) e a querer manipular a natureza, o ambiente e os outros baseado na sua própria agenda.
Em suma, ao comer a fruta, é uma embriaguez. Um êxtase que traz o conhecimento da individualidade e anestesia o conhecimento do todo e das interconexões.
Essa embriaguez faz com que o homem perca a consciência do seu “eu divino”. Anuvia-se-lhe a visão e essa “trave diante dos olhos” é como a catarata, que, progressivamente, faz com que ele não enxergue mais a centelha divina dentro de si, que é a sua ligação com os outros homens e com o Grande Universo.
O egoísmo que advém da consciência da individualidade é o pecado original e que faz com que o homem (Adão e Eva no sentido particular) seja expulso (exclua a si mesmo, p0r sua própria “culpa”) do paraíso.
O paraíso fica cada vez mais distante e passa a ser apenas uma lembrança distante ou utopia, que ele perseguirá por muitas vidas.
A Expressão “ganharás o pão com o suor de seu rosto” tem o sentido literal do esforço e da luta para se manter vivo fisicamente, mas tem, também, o sentido espiritual de lutar (consigo mesmo) para retornar à bem-aventurança, um sentido expresso na declaração de Jesus “Eu sou o pão da vida”.
Retornar à fonte ou ao paraíso significa recuperar-se da embriaguez da fruta e voltar a ver o mundo e a si mesmo como parte de um mesmo todo. Reconhecer dentro de si a centelha divina que é, ao mesmo tempo, uma fagulha ou partícula da divindade e o próprio Deus dentro de si.
Não é por acaso que o Buda identificou a raiz do sofrimento com o desejo e o apego. Não o desejo no sentido de atração física/sexual entre Adão e Eva, mas sim no sentido de querer ter e possuir ao invés de querer ser. O “ter” por oposição ao “ser”.
Redescobrir a união essencial de si mesmo com o todo é reconhecer essa indiferenciação  com os outros (que também possuem a partícula divina dentro de si e, portanto, são parte do mesmo Deus) e entre si mesmo e o Grande Universo, que é uma extensão (ou uma das dimensões) do seu Criador.
Voltar ao paraíso é perceber e sentir-se não como uma onda vagando no oceano, mas enxergar e sentir sua verdadeira natureza que consiste em ser água, assim como próprio oceano é água também. Voltar a esse estado (ou ao Paraíso) é, de certa forma, o objetivo da verdadeira religião: Religar. Reconectar aquilo que está (aparentemente) separado.
Retornar ao paraíso é, ao mesmo tempo, voltar a enxergar a centelha divina dentro de si e novamente ouvir a música resultante da ressonância dela com as outras centelhas divinas. Reconhecer Deus dentro de si e entrar em sintonia com Deus dentro dos outros, com o Grande Universo e com o Criador.
Pois, afinal, como também disse Jesus: “O reino dos céus, está dentro de vós”.

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