sábado, 15 de setembro de 2012

MEU GATO MORREU, COITADO!



"Não quero saber de quadro. Meu gato morreu, coitado. Ficava ao lado de minha cama, isso que me dói.”

Algumas das obras de arte mais importantes e valiosas do Brasil foram destruídas por um incêndio, num apartamento de Copacabana onde morava o marchand Jean Boghici. Colecionadores e especialistas do mercado de arte não arriscam um valor para a coleção, segundo eles, são quadros e esculturas que simplesmente não têm preço. Em meio a sua perda incalculável, apenas uma coisa amargurava aquele que dedicou sua vida à arte: "Não quero saber de quadro. Meu gato morreu, coitado. Ficava ao lado de minha cama, isso que me dói”, declarou o marchand Jean Boghici para espanto e reprovação de muitos. Fiquei chocada com a declaração corajosa do marchand e com a expressão de reprovação dos repórteres do JN que transmitiam a notícia. Apesar de amar e valorizar a arte, o velho marchand, até pela sabedoria que vem com a idade, sabia que  quadros são apenas quadros. Amigos valem mais. Desde o dia da reportagem fiquei com vontade de escrever a respeito. Foi quando encontrei o texto da Patrícia Gebrin que com maestria disse tudo o que eu gostaria de ter dito a respeito. Eis o que ela escreveu:

“Outro dia acompanhei a notícia do incêndio que ocorreu no apartamento de um famoso marchand, do fogo que se alastrou destruindo inúmeras obras de arte, uma perda de um valor inestimável, sem dúvida alguma. Mas confesso que o que mais me chamou a atenção foi que, ao ser questionado pelos jornalistas sobre sua perda, aquele sábio senhor respondeu que o que realmente lhe doía era o fato de sua gatinha ter morrido no incêndio, a gata que ficava ao seu lado na cama e que não tinha conseguido escapar das chamas.

Ora, muitos diriam: _ Que valor tem um simples gato, frente a obras de arte que jamais poderão ser recriadas? Que valor tem um simples gato, frente a um patrimônio da humanidade, queimado e destruído, numa perda financeira tão grande que é até difícil avaliá-la qualitativa e quantitativamente?


E ainda assim, para aquele senhor de voz embargada e coração apertado, a gatinha valia mais, e eu achei lindo ouvir isso. Achei lindo ver um homem que já viveu tanto indignar-se daquela forma.


_ Quando foi que aprendemos a colocar os cifrões antes da vida? Quais são os valores que norteiam nossas escolhas? _ precisamos pensar sobre isso.


Essa inversão de valores está, a meu ver, na base de boa parte do sofrimento humano. Claro, tudo tem lá sua importância. Mas é preciso que saibamos priorizar e enxergar a partir de um ponto que existe dentro de nós, e não a partir dos manuais empilhados nas prateleiras expostas, construídas por pessoas que moram fora de nós.


O mundo ao nosso redor pode ter uma idéia do que deve ter valor. Pode criar teorias, embasar pesquisas, elaborar manuais de conduta. Pode até declarar-se detentor de verdades cientificamente provadas. Mas se as verdades do mundo não nos trouxerem paz, se as verdades do mundo não aquietarem nosso coração, será que nos servem de verdade?


Quando traímos a nós mesmos para nos adequarmos ao que acreditamos ser esperado de nós, sofremos uma perda imensa. Maior do que qualquer outra.


Foi isso que me encantou na resposta daquele marchand ao jornalista, a reposta corajosa de alguém que já viveu muito e já não se obriga a agradar quem quer que seja. A resposta de alguém que não se trai, pensem o que pensarem. Ah, como admiro pessoas assim!


E dedico este artigo à Pretinha, a gatinha que virou estrelinha.”

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